Euclydes Lacerda de Almeida - Memórias e Reflexões espanõl
Aprresentação

Friso ainda que futuramente, se for possível, gostaríamos de iniciar uma experiência social semelhante à de Crowley em Cefalu."

Paulo Coelho para Euclydes Lacerda - 18/04/1974


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A Recompensa do Gigante


A filosofia de Thelema (Θελεμα, em grego, “vontade”) de Edward Alexander “Aleister” Crowley foi inspirada em um dos capítulos da fantasiosa crônica “Cinco Livros sobre as vidas, feitos heróicos e ditos de Gargantua e seu Filho Pantagruel”, obra do francês François Rabelais na segunda metade do século XVI.

No fim do livro I, o autor narra que ao derrotar um rei inimigo, o gigante conquistador Gargantua oferece a seus principais ajudantes enormes recompensas em terras e dinheiro. A um monge que participara da guerra a seu lado, oferece o controle de toda abadia sob seus domínios, que se estendem até perder de vista. O monge, porém, recusa-se a governar outros religiosos.

Como posso ser capaz de comandar os outros se nem tenho controle total sobre mim mesmo?”, rebate, e pede que Gargantua permita a construção de uma abadia diferente de todas as outras, onde as pessoas não seriam obrigadas a votos de castidade, pobreza e obediência e poderiam juntar-se ao monastério e abandoná-lo de acordo com sua vontade.

A primeira referência aparece no capítulo 52, “Como Gargantua fez ser construída para o Monge a Abadia de Thelema”. Em seguida, Rabelais conta “Como a abadia dos Thelemitas foi construída e guarnecida” (capítulo 53), descrevendo em minúcias as belezas e riquezas da construção e mostra “A inscrição colocada sobre o grande portão de Thelema” (capítulo 54), que, em forma de poema, trata jocosamente das diversas personas cujas presenças seriam bem-vindas à abadia ou banidas dela. As duas listas são longas.

O autor conta “Que maneira de viver os thelemitas tinham” (capítulo 55), repletas de imagens de abundância, “Como os homens e mulheres da ordem religiosa de Thelema estavam vestidos” (capítulo 56), onde prosseguem as descrições de belezas e riquezas infindáveis. Por fim, “Como os thelemitas eram governados, e de sua maneira de viver”. Lá, proclamava Rabelais, a vida não seria “gasta em leis, estatutos, ou regras”. Não havia horários pré-estabelecidos para dormir, beber, comer, trabalhar ou dormir, nem poderia haver relógios, pois gastar tempo contando-o era um exemplo perfeito de futilidade.

Só havia uma cláusula a ser observada:

Faze o que tu queres.

Pois homens que são bem nascidos, bem criados, e acostumados a companhias honestas, têm naturalmente um instinto que as impele a ações virtuosas e os afasta dos vícios, que é chamado honra.


O resultado deste sistema libertário, segundo a descrição do médico e escritor francês, idealizada em meio à sátira aos costumes pródigos de determinados monges do século XVI, seria uma versão ainda mais romantizada da mítica Camelot dos bretões. “Nunca foram vistos cavaleiros tão valorosos, tão nobres e dignos (...) Nunca foram vistas mulheres tão apropriadas e belas”. A partir de 1904, as palavras de Rabelais ecoariam e se tornaram realidade – não tão romântica quanto em sua obra – justamente na Inglaterra. Seu realizador, no entanto, estava longe dos ideais de nobre cavaleiro medieval preconizados pelo Monge que recebeu a recompensa de Gargantua.


Simpatia pela Besta


A história de Crowley é amplamente documentada e frequentemente lida sob vieses negativos. Foi uma personalidade escandalosa para sua época e habitat, a então sisuda e puritana Inglaterra do fim do século 19 – nasceu em 12 de outubro de 1875 – e começo do século 20 – morreu em 1 de dezembro de 1947. Enquanto era vivo, já pesava sobre ele a acusação de satanista, que ora refutava ora incentivava. A definição se tornou indelével depois que suas práticas inspiraram cultos deturpados de suas teses originais, como o da família Manson, responsáveis por crimes bárbaros na década de 1960, e a Igreja de Satã de Anton Szandor La Vey, ícone do hedonismo narcisista que encantou alguns hollywoodianos.

 Herdeiro de uma pequena fortuna ao ficar órfão, Crowley chegou à juventude dando provas de voracidade espiritual, intelectual e sexual incomuns. Em Trinity College, Cambridge, onde estudou, conheceu dois jovens que o levaram a conhecer a Ordem Hermética da Aurora Dourada (Hermetic Order of Golden Dawn). Juntou-se em 1898 ao clube secreto de nobres e intelectuais europeus que se dedicava a estudar os mistérios antigos do Egito e práticas de meditação orientais com ramificações filosóficas.

 Em pouco tempo, Crowley se destacou no grupo, alcançando os graus mais elevados. Ao chegar no topo, entrou em conflito com os mais antigos da ordem, especialmente com o líder do grupo, o escocês Samuel Liddell Mathers. Expulso, tomou uma atitude impensável nos meios ocultistas, no qual o conhecimento é geralmente considerado como algo reservado a poucos “capazes de lidar com as enormes complexidades da existência”. Publicou, em uma compilação intitulada The Equinox (O Equinócio) todos os rituais da Aurora Dourada, descritos em detalhes, eliminando para sempre o caráter “secreto” de que a ordem até então dispunha.

 Não foi uma simples vingança, como muitos sugeriram, mas o princípio de uma mudança de paradigma. Àquela época, a transmissão de conhecimentos básicos, como as relações numéricas entre as letras hebraicas e os números, base da Cabala, era reservado aos “merecedores”. Crowley foi o primeiro a tornar transparente uma organização secreta, cujo maior “ativo” por definição é o sigilo de palavras e gestos de identificação (“de passe”, as populares senhas) e os rituais que praticava.

 Insatisfeito com a experiência da Golden Dawn, Crowley criou seu próprio grupo, a Astrum Argentum, com uma estrutura diferente. Os iniciados não mantém contato como grupo, não há reuniões e cada integrante conhece apenas seu iniciador e seus iniciados – pelo menos, em tese. Na organização, aplicava o conceito de Thelema e de magick, que formulou a partir de 1904, em uma viagem ao Egito com a primeira esposa, Rose Kelly. De volta à Inglaterra, Crowley apresentou ao seu instrutor, George Cecil Jones, um livro que disse ter sido comunicado a ele por uma entidade “preternatural” intitulada Aiwass (um fundamental trocadilho com “I was”, eu era) ditado pela essência do escriba dos deuses do Egito, Ankh-f-n-Khonsu, refletindo as palavras dos próprios Ísis, Osíris e Hórus. Jones recebeu a obra com desdém: "Eu não aprecio poesia". Algum tempo se passaria até que adotassem a lei de thelema.    

 O próprio título tinha uma explicação que desafiava os que ousassem lê-lo: “Liber AL vel Legis sub figura CCXX [220], como entregue por XCIII [93] = 418 a DCLXVI [666]”. O número 220 aludia à quantidade de versos espalhados ao longo dos três capítulos que descrevem as diferentes eras (æons, em grego) da humanidade. O 93 se tornaria um número precioso para os nascentes thelemitas, representando a soma da palavra da Lei, Thelema (Vontade, em grego), e passando a ser usado como saudação. O 418 representava um personagem-chave da trama, e o 666 era o novo título de Crowley, perfeito para chocar a sociedade vitoriana.

 A frase tão repetida nas músicas de Raul Seixas, via de regra, é citada fora de seu contexto. Encontra-se no primeiro capítulo do Livro da Lei, na “manifestação de Nuit” (Ísis), o primeiro æon, da energia feminina, que anuncia ser Thelema a “palavra da lei”. Ela afirma que chamá-los (os seguidores desta, presume-se) de “thelemitas” não seria um erro, mas alerta que a palavra conteria três graus, ou facetas: o eremita, o amante e o homem da terra. No original, a frase em questão é Do what thou wilt shall be the whole of the Law. Na tradução de Marcelo Ramos Motta, Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

 Nuit/Ísis explica que se a palavra da Lei é Vontade, a do Pecado é a Restrição. Incentiva os maridos a não recusarem suas esposas, e os amantes a partirem, se assim quiserem. “Não há laço que possa unir os que estão divididos a não ser o amor. Todo o resto é maldição”, sentencia, seguido de um praguejar contra os “malditos”. A deusa continua, dizendo que uma pessoa não tem direito a não ser fazer o que quiser, e que, fazendo isto, não seria contrariado por ninguém. “Pois a vontade pura, desembaraçada de propósito e livre do desejo de resultado, é todavia perfeita”, condiciona, estabelecendo os elementos básicos para que a vontade seja considerada verdadeira dentro do sistema. Pura, desembaraçada de propósito e livre do desejo de resultado.

 No segundo capítulo, sob a manifestação de Hadit (Osíris), as palavras se tornam mais ásperas. Neste æon, o poder masculino torna-se proeminente. Surge a divisão entre fortes e fracos, servos e escravos. Surge então outra frase que ecoaria nos ouvidos da juventude de 1970 em diante: “Nada temos com o pária e o incapaz: deixe-os morrer em sua miséria. Pois eles não sentem. Compaixão é vício de reis: pisai o retorcido e o fraco: esta é a lei do forte: esta é a nossa lei e alegria do mundo.”

 Adiante, apesar de confirmar que existe uma divisão incontornável entre dominante e dominado, alerta para a possível falsidade das aparências: “Portanto os reis da terra serão Reis para sempre: os escravos servirão. Não há o que deva ser rebaixado ou elevado: tudo é como sempre foi. No entanto, há mascarados, meus servos: pode ser que aquele mendigo seja um Rei. Um Rei pode escolher sua vestimenta como quiser: não há teste seguro: mas um mendigo não consegue esconder sua pobreza”.

 O terceiro æon, de Ra-Hoor Khuit (Hórus), é sem dúvida onde se encontram as palavras mais duras. “Que primeiro seja compreendido que sou um deus da Guerra e da Vingança. Eu lidarei duramente com eles”,proclama. Adiante, depois de uma série de instruções de acordo com o espírito enunciado, o irado deus falcão faz uma advertência:

 “Não recuses ninguém, mas tu deverás conhecer & destruir os traidores. Eu sou Ra-Hoor-Khuit; e eu sou poderoso para proteger meus servos. Sucesso é tua prova: não discutas; não convertas; não fales demais! Eles que procuram te emboscar, te suplantar, ataca-os sem piedade ou misericórdia; & destrua-os inteiramente. Suave como uma serpente enrodilhada, vire-se e ataque! Seja mais mortal ele! Arraste suas almas para eterno tormento: ria do medo deles, cuspa neles!

 Ao fim do livro, um recado ameaçador, o Comentário. Nele, o mesmo escriba dos deuses que acabara de colocar no papel todas essas mensagens proibia o estudo do Livro, dizendo ser prudente destruir a cópia após a primeira leitura. “Quem desconsidera isto o faz por seu próprio risco e perigo. Estes são os mais terríveis. Todos os que discutem os conteúdos deste livro devem ser evitados por todos, como focos de pestilência”.

 Apesar da proibição, ou talvez por causa dela, Crowley foi recebido pelos ocultistas como o “profeta, vate e apóstolo” que se intitulava, supostamente de forma retórica, no Livro da Lei. Passou a comportar-se como tal. Criou sua ordem, a Astrum Argentum (A.'. A.'.), em 1907. Três anos depois, ao publicar um livro em que insinuava, metaforicamente, a utilização da energia gerada pelo ato sexual para a realização de um objetivo específico, dentro de um ritual mágico, foi convidado a ingressar na Ordo Templi Orientis (O.T.O.), organização de origem alemã cujos níveis mais elevados desembocavam na magia sexual.

 Para Euclydes, o Livro da Lei marcava, simbolicamente, a época em que o ser humano devia assumir responsabilidade por seus atos, em vez de atribuí-los a poderes superiores. O desenvolvimento completamente novo era uma espécie de religião baseada não no temor do castigo divino ou universal, mas na expressão daquilo que representasse a verdadeira vontade de cada um. Era o segundo rompimento de Crowley com a “velha ordem” da magia, do segredo. O juramento da A .'. A.'., explicou-me, continha a frase “mistério é inimigo da verdade”. “Na primeira vez que li, eu realmente destruí o livro, coloquei fogo. Aí, liguei para o Marcelo e contei o que tinha feito. Ele riu e disse: Vou te mandar outra cópia.”

 Assim como ocorreu na Aurora Dourada, Crowley rapidamente dominou o que a O.T.O tinha a oferecer. Tornou-se líder da ordem na Inglaterra, e depois, passou a ameaçar o poder dos prussianos Theodor Reuss e Carl Kellner, que iniciaram a ordem em 1902, adquirindo permissões para estabelecer grupos com base em dois ramos da Maçonaria: os ritos de Mênfis e Misraim e o Rito Escocês Antigo e Aceito. Não demorou até que houvesse um rompimento com o grupo que se recusou a aceitar a Lei de Thelema como base dos trabalhos iniciáticos, e ele reivindicasse para si o título de Cabeça Externa da Ordem (OHO, na sigla em inglês).

 Os detratores do bruxo inglês sequer precisavam se esforçar para fuçar motivos para condená-lo como herege, pervertido sexual, drogado. Ele mesmo fornecia os elementos para as acusações, em seus muitos escritos. Sua extensa aubiografia, reveladoramente denominada “Confissões” (Confessions of Aleister Crowley, sem tradução em português), traz detalhamento e distanciamento talvez jamais vistos numa autobiografia. Ou, como ele debochadamente a classificou, uma “auto-hagiografia”, tomando emprestado o termo usado pelos católicos para as biografias de beatos, santos, mártires e demais devotos fervorosos.

 Era uma personalidade desafiadora da religião desde a infância, conforme seu próprio relato minucioso. Criado por pais ultrarreligiosos integrantes da seita protestante Irmandade de Plymouth, Crowley se rebelava constantemente e acabou ganhando da mãe a alcunha da qual viria a se “gabar” no meio ocultista décadas depois: a Grande Besta do Apocalipse. Nome perfeito para provocar a sociedade vitoriana, ao qual ele acrescentou camadas e camadas de simbolismos mágicos e numerológicos, relacionando-a ao signo de Leão, outro componente astrológico da famosa “Era de Aquário”, na qual supostamente ocorreria a iluminação espiritual da humanidade.

 Na Itália, montou sua versão da Abadia de Thelema, numa vila portuária chamada Cefalu, na Sicília, banhada pelo mar Tirreno. A população, que hoje provavelmente não passa dos 15 mil habitantes, certamente era bem menor em 1920. O local era denominado oficialmente Collegium ad Spiritum Sanctum, onde Crowley e sua então esposa, Leah Hirsig, preconizavam adorações ao sol, exercícios de yoga e outras práticas rituais – algumas envolvendo atos sexuais e outras envolvendo algum tipo de substância inebriante, ainda que fosse o álcool do vinho.

Três anos depois de instalada, já malvista pela comunidade local, a congregação libertária foi abatida pela morte de um de seus estudantes, Frederick Charles Loveday. Retornando à Grã-Bretanha, a esposa dele, Betty Mae Sedgewick, contou ao tablóide (sim, os tablóides já eram o mesmo que hoje na Inglaterra) The Sunday Express a história que todo jornalista sabe que vende: sexo, drogas, magia negra e morte. Ainda que a morte tenha sido causada por uma febre entérica contraída da água de um riacho e o sexo tenha sido consensual entre maiores de idade. Foi expulso da Itália por Benito Mussolini, imediatamente.

 Betty Mae lançou ainda um livro, The laughing torso, acusando Crowley de praticar “magia negra”. Crowley respondeu processando-a, bem como os editores e os impressores do livro, mas perdeu. Em 1934, dirigindo-se ao júri, segundo o relato do Sunday Express, o juiz ironicamente chamado Justice Swift (“justiça suave”) foi duríssimo: 

 “Tenho estado há mais de quarenta anos engajado na aplicação da lei de uma maneira ou de outra. Pensei que conhecia toda forma concebível de perversão. Pensei que tudo que era sórdido e ruim haviam sido apresentadas diante de mim uma vez ou outra. Aprendi, neste caso, que sempre podemos aprender algo mais se vivermos o suficiente. Nunca ouvi coisas tão tenebrosas, horríveis, blasfemas e abomináveis como as apresentadas pelo homem que se descreveu para vocês como o maior poeta vivo”.

 Crowley acabou considerado culpado de pagar cinco libras por cartas de Betty Sedgewick que poderiam conter informações importantes a serem usadas no tribunal. Resumindo as palavras do juiz, passou a se intitular “o homem mais pervertido do mundo”. Uma explicação para este tipo de comportamento encontra-se no capítulo 53 de sua autobiografia, quando fala sobre o Bagh-i-Muattar, escrito em 1905, no qual inventou o poeta muçulmano do século 17 Abdullah al Haji, suposto autor do livro, bem como um major anglo-indiano que o traduziu e comentou, o editor que completou o trabalho do militar, que teria sido morto na África do Sul, e até um clérigo anglicano para discutir os temas da obra. Sempre imodesto, ele comentou:

 “Este espasmo de gênio é um eloquente retrato de minha mente nesta época. Eu estava absolutamente convencido da suprema importância de devotar a minha vida a obter Samadhi, a comunhão consciente com a Alma Imanente do Universo. Eu acreditava no misticismo. Entendia perfeitamente a essência de seu método e a importância de sua obtenção, mas me sentia compelido a me expressar de formar satírica e (pode parecer a alguns) quase escandalosa. Eu dava testemunho da tremenda verdade eu empilhava ficção em cima de ficção. Eu não sabia. Eu não suspeitava, mas o Bagh-i-Muattar é um sintoma de suprema significância. Eu estava à beira de um desenvolvimento completamente novo.”

 Ao morrer, em 1 de dezembro de 1947, seus discípulos na O.T.O. entraram em disputas explícitas e aguerridas pelo poder. Crowley foi ambíguo em suas declarações sobre quem deveria sucedê-lo. Karl Germer, seu secretário particular, era apontado em um documento como seu “agente e representante”. Grady Louis McMurtry e Kenneth Grant, alunos destacados, foram em diferentes momentos apontados como possíveis continuadores do trabalho mágico.

Germer e o suíço Herman Joseph Metzger, líder do grupo da O.T.O. que não havia aceitado a lei de Thelema, promoveram a reunião das duas correntes. Apesar de recusar, em sua correspondência particular, que Grant o considerasse como superior na ordem, Germer se enfurecer com a aproximação deste a outra corrente e expulsou-o, provocou mais um cisma na ordem. Surgia a OTO do ramo ‘tifoniano’, liderado por Grant.

 Para simplificar bastante uma longa e complicada história contada com documentos por Peter Koenig em seu site The OTO Phenomenon, após a morte de Germer, houve nova rodada de disputas de poder, das quais Marcelo Motta participou, opondo-se à facção comandada por Grady McMurtry, denominada Califado. Houve ainda uma intrincada disputa pelos direitos autorais das obras de Crowley, constantemente reeditadas mundo afora até o advento da internet, que resultaram, na década de 1980, em processo judicial contra o brasileiro e processo dele contra outros executores literários do inglês. Além dos livros doutrinários de Thelema, a maioria dos quais se encontra disponível gratuitamente online, Crowley legou itens de sucesso comercial, como o baralho de Tarô

 Na introdução publicado ao seu Liber 418, trabalho realizado em 1909 com o qual confirmava o Livro da Lei como resultado de uma visão inspirada, Crowley foi taxativo:

 “Admito que minhas visões possam não significar a outros o mesmo que significaram para mim. Não lamento este fato. Tudo que peço é que meus resultados convençam os buscadores da verdade de que existe algo realmente digno de ser alcançado, podendo usar métodos mais ou menos parecidos com os meus. Eu não quero liderar rebanhos, ser objeto de admiração de tolos e fanáticos ou o fundador de uma fé cujos seguidores são ecos de minhas opiniões. Eu quero que cada homem abra o seu próprio caminho mata adentro”.

 Segundo um integrante inativo de um grupo de caráter thelemico brasileiro, que pediu anonimato, Crowley escondeu a essência do seu pensamento com camadas e camadas de práticas místicas que, realizadas sem o rigor apropriado, podem até ser prejudiciais.

 “Tem de tudo, porque ele fazia uma grande miscelânea de conhecimentos. A comparação pode parecer esdrúxula, mas Crowley aplicava ao ocultismo e às religiões o que o Bruce Lee faria décadas depois nas artes marciais, absorva o útil, rejeite o inútil. Então, tem meditação, controle da mente, da respiração e da fisiologia, mas tem coisas também que os cristãos podem chamar de demoníaco, as invocações da Goécia, por exemplo, apesar de terem um significado complexo. O pessoal se contenta normalmente em parar nas frases de efeito, mas Crowley deixou as pistas dele espalhadas ao longo de seus trabalhos. É preciso aprender a lê-lo”, afirmou.  

 A mais equilibrada e precisa definição do sistema aperfeiçoado por Crowley foi provavelmente escrita pelo jornalista Mick Wall, biógrafo da banda de rock Led Zeppelin, criada por Page. Em Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra (Editora Larousse), ele explica:    

 “Não estamos falando de bruxaria simples, do tipo que costuma ser encontrado nos romances de Stephen King ou nos filmes de abracadabra de Harry Potter (embora muitos outros livros, filmes e outras famosas obras de arte incorporem elementos do ritual mágicko genuíno. Segundo Eliphas Levi, mágico e escritor do século 19, o conhecimento do oculto – isto é, o conhecimento oculto dos séculos que remonta à era pré-cristã, até a serpente e o Jardim do Éden – é um produto de equações filosóficas e religiosas tão exatas quanto as de qualquer ciência. Além disso, quem for capaz de adquirir tal conhecimento conseguir usá-lo de maneira correta se tornara imediatamente mestre dos outros que não têm a mesma habilidade.

Paracelso, um dos primeiros defensores da arte dos magos, escreveu no século 16: “A magia é uma grande sabedoria escondida... não há armadura que consiga dar proteção, pois ela atinge o espírito da vida. Disso podemos estar certos”. Ou, como Aleister Crowley – talvez o ocultista mais famoso depois de Merlin – afirmou em 1928, em seu Magick in theory and practice, o primeiro livro a despertar a atenção de Jimmy Page para as possibilidades do oculto: “A Magicka é a arte e ciência da mudança em conformidade com a vontade. (O K foi acrescentado por Crowley à palavra “magic” não só para diferenciar o que ele estava falando dos truques simples empregados pelos feiticeiros, mas também por questões ligadas ao ocultismo: as seis letras da palavra “magick” em inglês representavam um equilíbrio em relação à palavra original de cinco letras “magic”, equilibrando o hexagrama e o pentagrama, 5+6=11, o número geral da mágicka, ou energia que tende a mudar, como ele afirmou em seu livro de 1909, 777.)”  

 A partir da década de 1960, parte de seus conceitos foram absorvidos pela contracultura. Sua clássica careca aparece na ilustração do disco dos Beatles, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967), entre as figuras históricas e populares escolhidas pelo quarteto de Liverpool. Os Rolling Stones também tiveram seu flerte com as ideias  dos excessos sexuais. Os exemplos mais notórios de artistas que fizeram trabalhos de fato inspirados nele são o guitarrista Jimmy Page, o cineasta Kenneth Anger e, obviamente, Raul Seixas e Paulo Coelho. Sua mensagem se popularizou, mas não sem ruídos.

Perguntas que nunca calam


Depois da conversa inicial, em que abordamos superficialmente diversos assuntos, perguntei a Euclydes o que significava Thelema, na concepção dele. A resposta:
 
Psicologia pura. É o conhecimento do homem, de si próprio. É mexer com certos arquétipos que existem na psique humana. colocá-los para fora, entrar em contato com esses eles e aprender. Isso vem de longa data, através da genética. Temos um conhecimento muito profundo, mas não entramos em contato com ele. Por que? Porque a mente material, a mente mundana foi criada e o subconsciente ficou lá atrás. Quando você sonha, quem fala com você é o seu subconsciente. Ele te dá instruções, diz se você tá doente ou não. A mente que nós usamos no dia a dia é uma mente artificial, para a sociedade. Criada pelos costumes, pelos tabus. O homem não é isso. O homem é aquilo que está lá dentro”.
 
A abordagem da "magick" preconizada por Crowley, que escrevia detalhados diários (talvez até detalhados demais) de suas práticas, buscava o rigor científico. O discurso científico por vezes impregnava a fala de Euclydes, que se referiu aos seres humanos como partículas da grande explosão primordial. “Pela Lei de Lavoisier, a energia não pode ser criada nem destruída, só transformada. Se nós não estivéssemos lá no Big bang, não poderíamos estar aqui. Nosso nascimento foi lá. Temos um conhecimento que vem desde aquela época”, afirmou.
 
Na sequência, deixou escapar uma provocação velada ao ex-aluno: “Por isso certas, pessoas entram em contato com alguma coisa, se apavoram, acham que é o diabo e viram a casaca para a Igreja Católica. É difícil a gente se encontrar com a sombra. No nosso subconsciente também tem a sombra, cada um tem que se encontrar com a sua. É o chamado Guardião do Portal. Então, tem gente que entra em contato com isso e se apavora. Diz assim: ‘Ai, meu Jesus, toma conta de mim!’ e vira católico romano. Aliás, nunca vi católico romano acreditar em reencarnação”.
 
Com alguma dificuldade, consegui abordar a polêmica principal da vida de Crowley, que deixou um legado pesado sobre seus seguidores: o uso de entorpecentes e as práticas sexuais não-ortodoxas a que ele se dedicava e que registrava em seus escritos. Contrariado, Euclydes começou dizendo que o instinto sexual é universal. Sem isto, não haveria geração, não haveria humanidade. Contudo, prosseguiu, atualmente, o sexo está sendo “explorado comercialmente de uma maneira estúpida”.
 
Sexo para nós é sagrado. É um momento em que o homem se torna um criador. Sexo para nós, pode colocar essa palavra, não é sacanagem. Muita gente entra para a OTO pensando em comer a mulher do próximo, mas na minha OTO, essa minha aí entre aspas, não existe isso”, disse, em tom de desabafo, acrescentando, com um breve sorriso: “A não ser que a mulher tacitamente queira entrar em contato sexual com quem quer que seja. Isso é problema dela”.
 
Quanto às drogas?
 
E o problema das drogas, nós temos Aldous Huxley, que usou drogas e, no entanto, não é chamado de satanista, não é? Experiências com drogas são feitas por vários cientistas. Inclusive a CIA e o FBI utilizam drogas para alcançar certos efeitos. Mas nós não defendemos o uso de drogas. Achamos que se o cara quer se drogar e virar bicho, problema dele. Se ele não tem coragem de enfrentar a si próprio, evite usar drogas.”
 
Provoquei-o com uma das frases mais conhecidas de Crowley no Livro da Lei, “os escravos servirão”. Ele riu e a repetiu, em tom exclamativo, em seguida retomou a sobriedade: “Eu nunca usei drogas. As pessoas falam das drogas, mas esquecem que os iogues são capazes de obter o mesmo efeito fazendo aquela respiração forçada, que oxigena mais o cérebro. Os índios até hoje usam drogas em seus rituais, no Brasil e nos Estados Unidos tem igrejas de nativos americanos que usam”, afirmou, referindo-se à utilização cerimonial da ayahuasca, bebida obtida a partir do cipó Banisteriopsis caapi e de folhas de Psychotria viridia.
 
Questionei se há, objetivamente, adoração à figura de Satã dentro das práticas ditas thelêmicas – mistura que agrega elementos da yoga hindu, da cabala judaica, da astrologia e do tarô, entre outras. Ele repeliu a ideia veementemente. “Negativo! Nunca vi, nunca vi! Eu fui discípulo do Marcelo durante 14 anos, vivo até hoje como thelemita, tenho minhas práticas e nunca adorei Satã. Embora haja por aí várias seitas satânicas, claro”.
 
Para os thelemitas, explicou, Satã é uma “energia arquetípica” ou egrégora, força composta pela soma da energia física, mental e emocional dedicada por um grupo de pessoas a algum conceito/objeto. “Não é um deus ou uma entidade a ser adorada. Nós não adoramos nada. Satã é um arquétipo”, sentenciou. Trocamos elocubrações sobre as origens da palavra. Ele salientou a existência de um termo similar no misticismo egípcio, derivado do deus serpente Set, eu lembrei a origem semítica da palavra, shaitan, que resultou na figura do “Adversário de Deus” na Bíblia.
 
Euclydes disse então que as relações entre as energias tinham sido descritas e catalogadas por Crowley. O inglês preconizava que tais forças, devidamente conhecidas e combinadas, podiam ser usadas para obter resultados sobre o mundo material. Um quesito fundamental para isto, no entanto, era dominar os símbolos contidos no Liber 777 vel Prolegomena symbolica ad systemam sceptico-mysticæ viæ explicandæ hierogliphicum sanctissimorum scientiæ summæ. Tratava-se, segundo o autor, de uma imodesta “tentativa de sistematizar os dados do misticismo e os resultados da religião comparada”.
 
Liber 777 contém 183 tabelas de correspondências destes elementos místicos e religiosos. Nas compilações feitas por Crowley e amplamente utilizadas no meio ocultista em geral, é possível estabelecer relações entre as divisões da alma segundo egípcios, hinduístas e budistas; os 12 signos do zodíaco e as 12 tribos de Israel; os arcanos maiores do tarô e o alfabeto hebraico; e até os órgãos do corpo humano e seres legendários como duendes e unicórnios. Satã aparece sem destaque especial, ao lado de outros quatro nomes na tabela 108, intitulada “Alguns príncipes das Qliphoth” (termo hebraico que significa “cascas”, emanações imateriais, potencialmente prejudiciais).
 
Perguntei sobre Lúcifer. “Em grego, quer dizer aquele que traz a luz, o portador da tocha. É o mesmo que o Prometeu, aquele que foi ao Olimpo, roubou o fogo sagrado dos deuses e trouxe para aos homens em uma vara, com sete nós, que são os sete chacras. Ele trouxe o poder da geração através do sexo, foi preso numa rocha e tal, aquela história toda que você sabe. Prometeu é a mesma história do Satã. Aquele que se revoltou contra Deus, contra Jeová”.
 
Os thelemitas, explicou, podem entrar em contato com essa energia arquetípica, assim como podem entrar em contato com “energias chamadas Júpiter, Saturno, anjo Gabriel, anjo Rafael, Maria, Ísis, Vênus, Osíris, Órus, Votan, Astarte”. O trabalho, no entanto, não é direcionado para  reforçá-las (adorá-las) ou para utilizá-las de forma prejudicial a terceiros. “Para nós, tudo que não é direcionado ao conhecimento e à conversação com o Sagrado Anjo Guardião é magia negra”, sentenciou Euclydes, referindo-se à figura que, dentro do sistema idealizado por Crowley, representa o verdadeiro eu do ser humano, capaz de expressar sua verdadeira vontade, após despido do ego mundano. 
 
Discutimos a partir daí a maneira como a rixa com o cristianismo está enraizada de forma profunda no movimento thelemico brasileiro. Além da personalidade de Crowley, foi fortemente influenciado por um ensaio/correspondência de Marcelo Motta que ficou conhecido como “Carta a um maçom” (Motta usava a grafia “mação”). O guru dos thelemitas se dirige em tom ao mesmo tempo indignado e condescendente a um amigo, “mação osiriano”, como classifica pejorativamente. Pretende explicar-lhe a insensatez de alguém detentor de elevados conhecimentos ocultos crer na figura do Jesus Cristo apresentado pela Igreja Católica Apostólica Romana (por vezes tratada pela sigla ICAR).
 
Entre fontes históricas confiáveis e fontes místicas nem tanto, Motta constrói sua tese da fabricação, pelo patriarcado cristão de Roma e Alexandria, principais igrejas dos primórdios da religião, de um mito que utilizava elementos do Adônis grego, do sacerdote essênio Jonah (João Batista) e outros, para esconder as verdadeiras palavras que o profeta Yeheshua trazia: que todo ser humano é capaz de alcançar o estado de graça que caracteriza o chrestos (o ungido), iniciado que se reconhece como encarnação do Verbo Divino, o Logos (conhecimento). A figura de Jesus Cristo, argumenta ele, é uma falsidade histórica habilmente usada para domar o ímpeto revolucionário do cristianismo primitivo.
 
Euclydes lembrou que assumiu o primeiro nome mágico (motto), Zaratustra, porque se sentia demasiadamente influenciado, até então, pelo cristianismo. “Para combater isso, tomei um nome que era exatamente o oposto. Esse Zaratustra não é o Zaratustra da Pérsia não (profeta do século 7, fundador do masdeísmo ou zoroastrismo). É o Zaratustra de Nietzsche. Fiz isso exatamente para combater essas minhas pendências. Posteriormente, me vi ‘sozinho’ e tomei o nome de Aster, que quer dizer estrela”.
 
Enquanto falávamos sobre a chegada de Thelema ao Brasil e ordens secretas daqui, em geral e algumas em particular (como a Fraternitas Rosicruciana Antiqua, FRA, e a Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz, Amorc) Euclydes afirmou ser sua opinião pessoal, compartilhada por Motta quando vivo, que o verdadeiro sucesso de uma ordem ou religião está ligado à renúncia ao poder material. “Toda vez que uma ordem cresce economicamente, financeiramente, decai filosófica e espiritualmente. As ordens secretas que se tornam fortes são exatamente as perseguidas, que vivem em situação econômica difícil. Isso, o Marcelo sempre me alertou”, explicou.
 
Os alertas de Motta foram bem incorporados pelo discípulo. Em seu blog, Blacklight (Luz negra), criticou a preocupação do Califado (O.T.O. dos Estados Unidos) com as receitas da vendas de livros de Crowley. “Compreende-se ser um dever sagrado combater quaisquer tendências contrariando este direito, ou procurando locupletar-se social ou financeiramente usando Thêlema como desculpa. Qualquer thelemita mantêm bem claro seu repúdio a esses que vêm agindo assim durante anos, seja no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo”, afirmou, em postagem de 14 de novembro de 2009.  
 
Meses antes, em julho de 2009, num post sob o título “Alerta geral”, denunciou a utilização indevida do nome da própria ordem que criou para a obtenção de retorno material. “Este alerta é para tornar conhecido por todos que a Sociedade Novo Aeon está em estado de retiro desde o ano 2001, após a morte do Sr. Tarcisio de Oliveira. “No entanto alguns indivíduos inescrupulosos estão usando o Nome da Organização para extorquir dinheiro de incautos, alegando taxas de iniciação. Saibam todos que um dos princípios básicos da Organização proíbe de maneira tácita e veemente a cobrança de taxas (dinheiro, etc) para iniciações ou outras quaisquer atividades da Sociedade”, escreveu, assinando como supervisor geral da ordem.
 
As sucessões conturbadas no meio thelemico colaboraram para desvirtuar o foco dos trabalhos mágicos, segundo meu entrevistado, que manteve contato por correspondência com Kenneth Grant, discípulo direto de Crowley por mais de uma década. “Ele (Grant) começou a se ligar a um sistema que chamamos de tifoniano, misturando (thelema) com aquelas histórias de seres extraterrestres e tal, confundiu a coisa toda. A minha organização aqui era registrada no santuário interno da O.T.O., mas depois comecei a me afastar dele. Quem começou a se ligar a ele foi uma pessoa de Minas Gerais, que começou a inventar um monte de coisa que não interessa saber, mas ele tem o direito de fazer o que ele bem entender. A coisa começou a degringolar, começou a surgir O.T.O. para tudo que é lado”.    

Na esteira desta proliferação de ordens secretas, disse ele, houve até a insólita vinda ao Brasil do escritor e ocultista americano Lon Milo DuQuette - especialista na obra de Crowley, “oficial administrativo nacional e internacional” da O.T.O. desde 1975 e “vice grão mestre” da ordem nos Estados Unidos desde 1994, segundo seu website. DuQuette, famoso por sua visão bem-humorada sobre o ocultismo, foi a um hospital do Rio encontrar Euclydes, que convalescia de seu terceiro enfarte.

Eles me pediram ao médico pra me liberar, vim pra cá e me iniciaram aqui, nesse apartamento. Tiramos até fotografia”, contou, divertindo-se, acrescentando que eles vieram acompanhados de um brasileiro, autodenominado frater Iskuros, que seria o líder do ramo oficial do grupo no país. “Fui a uma certa reunião e tive uma desavença com ele, infelizmente. Aí, me afastei com-ple-ta-men-te da OTO americana. Hoje em dia, somos amigos, nos telefonamos, nos falamos, tudo isso. Aproveitei que eu já tinha fundado a sociedade da Novo Aeon, comecei a trabalhar com a Novo Aeon e fundei a O.C.T., que é a Ordem dos Cavaleiros de Thelema.”.
 
Sua irritação com as organizações thelemicas era visível. “Existe um grupo aí que está formando, a OTOM. Ordo Templis Orienti Mundi. Eles vão trabalhar nisso aí e eu vou apoiá-los até o ponto em que eu achar que estão seguindo corretamente a lei de Thelema. Se não estiver, eu saio fora. Não estou... eles sabem disso, perfeitamente, não to aqui pra isso não. Já tô muito velho!
 
Seis meses depois desta afirmação, ele romperia, também pelo blog, com a O.T.O.M., num post intitulado simplesmente “A quem interessar possa”:
 
Informo para conhecimento de todos que eu, Euclydes Lacerda de Almeida, NÃO SOU MEMBRO DA ORGANIZAÇÃO DENOMINADA OTOM, como explicito em documento aqui postado, e que meu nome e foto foram publicadas no "blog" desta organização sem minha permissão. Não concordo com as filosofias e conceitos pertencentes a Organização acima mencionada, e quem afirmar ao contrário está enganado ou enganando. Sou Thelemita e não coaduno com idéias um tanto esdrúxulas com ressaibos de outras correntes de pensamento contrários à doutrina Thelêmica que não abraça, concorda ou emitem idéias de diferença de raças e outros preconceitos estranhos à nossa Doutrina em que "Todo homem e mulher é uma estrela". Sou, e sempre serei um representante de Thêlema em nosso em nosso pais, mas não o único. Outrossim, desejo avisar, a todos os interessados, que estou às ordens de quaisquer pessoas que desejem maiores esclarecimentos a respeito do assunto. Mas que as questões sejam feitas dentro dos padrões de respeito usados por pessoas civilizadas e educadas.”
 
As palavras de Crowley sobre não querer seguidores ecoavam as do emblemático Jiddu Krishnamurti, para o qual Euclydes chamou minha atenção em determinado ponto das conversas. Educado desde os 13 anos pela Sociedade Teosófica – do qual seu pai era secretário – para ser o Instrutor do Mundo, o indiano dissolveu, em 1929, a Ordem Internacional da Estrela do Oriente, criada para ser seu veículo. Declarou que nenhuma seita ou religião organizada daria acesso à “terra sem caminho” da Verdade. Apesar de rejeitar a autoridade de guia espiritual, Krishnamurti, caso de rara honestidade intelectual no meio ocultista, continua sendo praticamente idolatrado e seus ensinamentos, tratados como a palavra de um mestre.

Comentei como parecia difícil ter a lucidez de negar o papel de proeminência que todos ansiavam por lhe oferecer. “Eu o admiro muito por causa disso. Ele podia ter assumido tudo! Mas disse ‘não, eu não sou nada disso, sou um cara como outro qualquer’”. Euclydes concordou comigo que Crowley possuía a mesma característica. “É, sim, ele mesmo dizia: ‘não acreditem em mim!’”. Afirmei, então, acreditar que Crowley deliberadamente não deixara um herdeiro inequívoco. A reação foi entusiasmada. “Ele fez igual ao Alexandre (Magno). Você sabe o que o Alexandre fez? Pegou os quatro generais dele e disse ‘o mais forte será o meu sucessor’. Apareceu Ptolomeu, apareceu uma porção de gente. Ele não entregou nada! O cara que tomasse! É o que tá escrito no Livro da Lei. É a Lei do mais forte. ‘Os escravos servirão’. Quem segue Crowley como homem é um escravo, porra! É um escravo!

 

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